por
Paula Zogbi
Danilo Igliori
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Publicado em
5/6/2025
Se alguém tivesse dormido ao longo dos 4 primeiros meses de 2025 e acordado apenas em maio, provavelmente sentiria alguma dificuldade em compreender as reações do mercado a alguns eventos dos últimos 30 dias. Um exemplo é a ameaça de taxação em 50% sobre qualquer produto importado da União Europeia pelos EUA: na sexta-feira em que o presidente Donald Trump fez a “recomendação” dessa alíquota, as bolsas responderam com quedas de cerca de 2% — movimento tímido em comparação com o crash de mais de 6% do S&P500 no pregão seguinte ao “liberation day”, que marcou a virada de chave da política comercial do país e deu início a uma forte correção. Na sequência, a determinação da Justiça de bloquear as tarifas, movimento que alimenta novas dúvidas e tende a encorajar outras ações de oponentes, trouxe um rali de poucas horas para as bolsas, neutralizado antes mesmo da revogação da decisão inicial.
Vimos o melhor mês de maio para o S&P500 em 35 anos, em meio a um cenário que ainda deveria inspirar cautela. Mas o que explica essa “apatia”? O mercado não se importa mais com as tarifas e seus potenciais efeitos sobre a economia global? A resposta não é simples, mas uma forte hipótese passa pelo benefício da dúvida.
O dia da libertação de Trump foi seguido de inúmeros avanços e recuos nas negociações com os parceiros comerciais dos EUA, sendo o primeiro grande movimento a pausa de 90 dias aplicada no dia 9 de abril, seguido de momentos de tensão e acordos com a China, que chegou a enfrentar uma ameaça de tarifas de 145% antes dos atuais — e também temporários — 30% acordados em meados de maio. Foram tantos movimentos do gênero (como a ameaça, seguida de recuo imediato, de demissão do presidente do Fed) que a aversão ao risco do primeiro trimestre, baseada na probabilidade de forte desaceleração econômica ou recessão nos EUA, foi basicamente neutralizada, e a bolsa agora está no zero a zero em relação à virada do ano.
Em resumo, os ativos de risco agora precificam que as políticas do novo governo serão neutras ou positivas do ponto de vista econômico, o que implica em assumir que a administração Trump recuará de praticamente todas as medidas potencialmente danosas à inflação e à atividade que foram anunciadas nos últimos meses. Voltam à pauta os avanços regulatórios para o mercado cripto, que motivaram um novo recorde histórico do Bitcoin em maio; mudanças no ambiente corporativo que poderiam impulsionar o mercado de capitais, entre outros temas do “Trump Trade” que alimentaram o rali do final de 2024. O novo movimento ganhou o acrônimo TACO (Trump always chickens out, ou Trump sempre recua), ilustrando um otimismo baseado em assumir que há muita retórica nas ameaças do novo governo, e a realidade será mais branda.
No curto prazo, porém, continuamos recomendando cautela. Caso as brigas na justiça sejam vencidas pelo governo, o “piso” das tarifas até aqui (10%) ainda resulta na maior média tarifária desde os anos 1940, o que alimenta um risco de pressão inflacionária e desaceleração, ou recessão, à frente. Paralelamente, a dívida pública americana, que ultrapassou os 33 trilhões de dólares em 2024, continua a crescer em ritmo superior ao do PIB, com déficits persistentes mesmo em um cenário de pleno emprego (saiba mais na seção Mundo em Gráfico).
Apesar de um fluxo recente de saída de recursos dos EUA para outras economias, o posicionamento global segue desproporcionalmente concentrado na bolsa americana. A bolsa americana corresponde a mais de 50% do valor total de mercado das bolsas globais, enquanto o PIB do país representa cerca de 26% da economia mundial. Essa relação não necessariamente irá mudar, mas há espaço para tal, e as atuais incertezas podem ser um motivador neste sentido. Portanto, manter uma alocação balanceada e algum posicionamento em segmentos defensivos continua sendo uma estratégia interessante para navegar o mercado nos próximos meses.
Saiba mais na Carta Mensal de Junho de 2025.
Paula Zogbi
Gerente de Research e Head de conteúdo na Nomad, tem mais de 10 anos de experiência no mercado financeiro, foi head de conteúdo na XP, analista na Rico e jornalista na InfoMoney e EXAME. É graduada em jornalismo pela USP e tem certificação CNPI pela Apimec.
Danilo Igliori
Economista-chefe da Nomad. Professor do Departamento de Economia da FEA-USP, PhD pela Universidade de Cambridge. Foi um dos fundadores da DataZAP, no Brasil já atuou em empresas como BTG Pactual, Unibanco, Vale, Grupo Zap e OLX, e no Reino Unido, em agências internacionais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento.
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