por

Luca Girardi

Paula Zogbi
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Publicado em
17/11/2025
Com a popularização das criptomoedas e o lançamento de produtos listados, como os ETFs de Bitcoin, investir nessa classe de ativos se tornou bastante acessível, não só ao varejo, mas também entre investidores institucionais e tesourarias de empresas. Para investir no setor, é essencial entender o ativo e a lógica por trás dessa alternativa ao sistema financeiro tradicional. Neste conteúdo, explicamos o pilar fundamental das criptomoedas: a blockchain.
Blockchain, como o nome indica, é um sistema de registro de informações (como as transações) por meio de uma estrutura em cadeia de blocos. Blocos são como páginas de um livro que podem receber dados. Cada bloco tem um limite de espaço (como o número de linhas da página) e guarda dois tipos de dados:
Formação da sequência de blocos
O primeiro bloco, conhecido como Genesis Block, é o ponto de partida de qualquer blockchain. É a primeira página desse livro, criada manualmente, não referenciando o bloco anterior em suas informações (afinal, não existe bloco anterior).
A “mágica” da imutabilidade começa aí: cada novo bloco contém não apenas suas próprias transações e informações, mas também o hash do bloco anterior (chamado de Parent Hash), uma espécie de impressão digital única do bloco - incluindo suas transações.
Um hash é uma forma de resumir informações usando criptografia, avançada no caso do BTC (chamada de SHA-256). Pense nele como um bolo, tendo como ingredientes as informações do bloco anterior (suas transações, o número do bloco, o parent hash dele, etc). Se você adicionar mais ingredientes (mudar algo no bloco anterior), a receita muda. E mudará para todos os próximos blocos. Nunca uma receita será igual a outra sem que tenha exatamente os mesmos ingredientes.
Assim como a maioria dos bolos, não é possível saber quais elementos formam o hash depois de “pronto”. Ou seja: ele não mostra informações sobre as transações que ocorreram na blockchain.
Se alguém tentasse modificar uma transação num bloco antigo, seu hash de transações mudaria, o que, por sua vez, invalidaria o Parent Hash do bloco seguinte, quebrando a cadeia de confiança.

Essa arquitetura permite que toda a rede verifique a integridade de anos de transações usando apenas esses pequenos resumos criptográficos, sem precisar armazenar ou reprocessar todos os dados históricos. Essa cadeia de verificações mútuas é o que visa tornar a blockchain segura e confiável. Para fraudar um registro, seria necessário recalcular todos os hashes subsequentes, o que exigiria ter à disposição mais da metade de todo o poder de processamento da rede, algo muito caro e tendendo ao impossível em redes tão grandes como a do BTC.
Como funciona na prática?
Essa estrutura pode ser vista na prática em qualquer explorador de blocos, seja no BTC, ETH (como no exemplo a seguir), ou em qualquer outra rede blockchain. Abaixo, print dos detalhes das informações do bloco #22840343 e do seu sucessor, o bloco #22840344 da rede ETH, mostrando a estrutura de hashes encadeados que visam garantir a segurança e verificabilidade de toda a rede, sem a necessidade de intermediários ou do Estado para confirmar a autenticidade das operações.


Mecanismos de Consenso
Outro ponto importante sobre blockchains é como um bloco é gerado e validado. Se cada novo bloco é uma "nova página" no livro da blockchain, quem decide qual é a próxima página? Em um livro físico, há um autor. Em um banco centralizado, há uma autoridade. Na blockchain, a decisão é tomada por um mecanismo de consenso, que varia entre diferentes ambientes cripto.
O BTC utiliza um mecanismo chamado Proof of Work (PoW), que foi utilizado de base para todas as variantes posteriores.
Nele, os computadores que estão “minerando” resolvem, a cada 10 minutos em média, um problema matemático que só pode ser resolvido por tentativa e erro, por força bruta. O problema é basicamente encontrar um número (chamado de Nonce) que vai ser adicionado às informações do bloco de tal modo que, quando o bloco for resumido, o hash tenha um resultado que atenda aos critérios da rede (a dificuldade).
Quando uma solução válida é encontrada, o minerador propõe o bloco novo à rede e recebe uma remuneração (atualmente em 3,125 BTC + taxas), que diminui gradativamente a cada halving*. O restante da rede não recebe nada e pouco depois começa novamente a tentar desvendar o problema do próximo bloco.
É um sistema de altíssimo consumo energético e pouco eficiente. Mas, por meio dele, sem uma entidade central, a rede consegue decidir coletivamente quais transações são verdadeiras, penalizando quem tenta cometer fraudes. Para um fraudador propor um bloco malicioso, ele teria de possuir 51% do poder computacional da rede, para que mais da metade dos validadores, ao analisarem o bloco proposto, atestassem a sua veracidade.
Como alternativa ao PoW e em resposta ao seu alto consumo e ineficiência energéticos, surgiu o Proof of Stake (PoS), consenso utilizado por blockchains como Solana e Ethereum (após o The Merge em 2022).
Para participar da rede, o minerador, chamado no PoS de validador, precisa bloquear uma quantidade de moedas por um tempo mínimo, o chamado staking, sendo a quantidade de moedas em staking o seu poder na rede. A rede escolhe aleatoriamente um validador para propor cada bloco de maneira aleatória, mas ponderada por quem tem mais moedas em staking. Ou seja, a força não está no gasto energético (e computacional), mas na quantidade de moedas. Por isso, as máquinas são muito mais simples. Você pode rodar um node de ETH em máquinas minúsculas, como os Raspberry Pi.
Outro fator relevante do PoS é como funciona o staking delegado. Se a quantidade de moedas travadas em uma conta são a força do validador, a sacada é: os investidores podem delegar àquele validador as suas moedas, travando-as, e receber assim uma porcentagem das recompensas da rede. Por meio dessa lógica, as recompensas da mineração não se concentram nos mineradores, sendo distribuídas para qualquer um que queira fazer staking.
Isso também tem impacto nos preços das criptomoedas, porque, à medida que mais moedas são delegadas e travadas por um tempo mínimo em staking, a oferta disponível para ser negociada em corretoras diminui. O staking, além de remunerar o investidor, pode ser um instrumento que promove um déficit estrutural de oferta em um cenário de alta demanda pelo ativo. Embora, é claro, em um cenário de queda rápida, os investidores se tornam reféns da movimentação de preços.
No PoW, mineradores maliciosos que tentam fraudar a rede são punidos pelo gasto energético desperdiçado. Ou seja: ao propor um bloco fraudulento, se o restante dos mineradores atestarem a inconsistência, o bloco é rejeitado e o minerador desperdiçou energia e poder computacional no processo.
Já no PoS, validadores que propõem blocos fraudulentos ou que sofrem com problemas de inatividade são punidos por meio do slashing, que é a perda de parte ou a totalidade das moedas travadas em staking, sejam elas de propriedade do validador ou de investidores que a ele as delegaram. Ou seja, no PoS o colateral financeiro, em staking, que dá mais chances de um validador propor mais blocos, é o seu mecanismo punitivo.
Conclusão
A blockchain e todas as possibilidades que ela cria, como contratos inteligentes, rollups e aplicações descentralizadas estão no cerne da tese dos criptoativos, para além da especulação.
Por meio dela, hoje é possível o envio e a verificação de dados sem a necessidade de uma autoridade centralizadora, de maneira pública e imutável.
As aplicações são múltiplas:
Como vimos, sua arquitetura de blocos encadeados por hashes criptográficos busca a imutabilidade dos dados, criando um "livro-razão" no qual a alteração de uma transação passada exigiria recalcular toda a cadeia subsequente – uma tarefa computacionalmente muito complexa.
No entanto, essa estrutura precisa de uma forma de governança. É aí que entram os mecanismos de consenso, a forma de decisão coletiva sobre qual é a "verdade" na rede. Enquanto o Proof of Work (PoW) do Bitcoin busca a segurança através de um intenso gasto energético e computacional, criando uma barreira econômica contra ataques, o Proof of Stake (PoS), adotado pelo Ethereum, inova ao substituir o poder de processamento pelo comprometimento financeiro. Neste modelo, validadores maliciosos são punidos perdendo parcial ou totalmente os recursos delegados, resultando em um sistema drasticamente mais eficiente em energia.
Portanto, entender a blockchain – sua estrutura de dados imutável e os diferentes modelos de consenso que a sustentam – é fundamental para qualquer investidor ou entusiasta. Mais do que um ativo especulativo, as criptomoedas representam a materialização de um novo sistema, onde a confiança não é depositada em uma entidade central, mas é construída matematicamente por meio de código, criptografia e incentivos econômicos alinhados.
Glossário:
-Criptomoeda: moeda digital que utiliza criptografia para proteger e verificar transações
-BTC: Bitcoin
-ETH: Ethereum
-PoW: Proof of Work - mecanismo de consenso do BTC
-PoS: Proof of Stake - mecanismo de consenso de redes como Ethereum e Solana
-Genesis Block: primeiro bloco de qualquer blockchain
- Halving: evento que ocorre a cada 210 mil blocos, cerca de 4 anos, em que a remuneração em BTC para os mineradores, a “inflação” da rede, é cortada pela metade
- Slashing: mecanismo de punição de redes PoS, que consiste na perda de recursos em staking pelo validador
Luca Girardi
Cursa Economia no Ibmec-SP, com passagens de estágio em análise macroeconômica na Wagner Investimentos e em planejamento financeiro na Sugoi. Possui a certificação CGA (Certificação de Gestores ANBIMA)
Paula Zogbi
Estrategista-chefe da Nomad, tem mais de 10 anos de experiência no mercado financeiro, foi head de conteúdo na XP, analista na Rico e jornalista na InfoMoney e EXAME. É graduada em jornalismo pela USP e tem certificação CNPI pela Apimec.