Treasuries: como a renda fixa americana te protege em crises globais

por

Bruno Shahini

6 min

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Publicado em

10/5/2025

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Os títulos do Tesouro americano são amplamente reconhecidos como portos-seguros (safe haven) nas finanças globais. Mas qual o significado disso, na prática? Primeiramente, os chamados Treasuries são garantidos pela capacidade do governo americano em honrar seus compromissos financeiros. A solidez da economia americana é o que eleva os treasuries ao status de “ativos livres de risco”, isto é, uma forma de título de dívida que não embute risco de crédito e conta com ampla liquidez. 

De acordo com o Federal Reserve de Nova York: “o mercado de títulos do Tesouro dos EUA é o maior e mais líquido mercado de títulos governamentais do mundo”, servindo como referência de taxa livre de risco para a precificação de outros ativos financeiros​.  Essa condição única confere aos treasuries um lugar especial nos portfólios dos investidores globais.

Historicamente, esses títulos se comportam de forma anticíclica durante choques econômicos: tendem a se valorizar em momentos de crise, justamente quando ativos de risco (como ações ou bonds corporativos) sofrem quedas acentuadas. Esse comportamento os torna uma proteção natural em portfólios de investimentos, subindo de preço quando o restante dos investimentos cai. Do ponto de vista de um investidor brasileiro, esse efeito é acentuado: pelo efeito da tendência de valorização do dólar nestes episódios, o que gera um benefício duplo para um portfólio com ativos denominados em reais, como veremos adiante.


Por que treasuries valorizam em momentos de crises?

Diversos fatores explicam a valorização dos treasuries em períodos de crise, esse fenômeno é bem documentado e até possui uma nomenclatura nos mercados financeiros: “flight to safety”  ou “fuga para segurança”. 

  • Busca por Segurança: Em tempos de pânico ou aversão ao risco, investidores globais abandonam ativos arriscados e buscam a segurança dos títulos do tesouro dos EUA. O aumento na demanda por esses ativos eleva seu preço e, inversamente, faz cair seus yields (taxas de retorno)​. 

  • Liquidez e Tamanho de Mercado: os treasuries são um dos ativos mais líquidos do mundo. Em momentos de crise, os mercados procuram ativos que podem ser facilmente vendidos ou convertidos em liquidez. Pode-se destacar treasuries de curto prazo (T-bills) neste contexto por apresentarem uma combinação de liquidez e ausência de variação de preço (marcação a mercado).

  • Reação dos Bancos Centrais: Crises sistêmicas levam os bancos centrais a cortar juros e adotar políticas monetárias expansionistas, o que favorece diretamente os preços dos bonds governamentais. Nos EUA, o Federal Reserve reage a choques econômicos reduzindo a taxa básica (Fed Funds) e muitas vezes lançando programas de compra de ativos (quantitative easing, ou QE) focados em treasuries. Essas ações derrubam os yields de curto prazo (pela queda dos Fed Funds) e também os de longo prazo (pela demanda para compra de títulos de longo prazo pelo próprio Fed).

  • Efeito deflacionário: Crises globais normalmente implicam contração econômica e queda das expectativas de inflação, ou mesmo risco de deflação. O prêmio exigido pelos investidores para carregar títulos de longo prazo é menor, o que pressiona para baixo os rendimentos. Na recessão causada pela pandemia em 2020, houve forte recuo das projeções de inflação que foi acompanhada pela queda das taxas de longo prazo.


  • Duration/prazo: títulos de longo prazo possuem elevada duration. Isso significa que seu preço tem alta sensibilidade a variações nas taxas de juros. Em momentos de crise, a duration atua a seu favor: a queda das taxas proporciona um expressivo ganho de capital nesses títulos.

  • Efeito Cambial: episódios de forte aversão ao risco são caracterizados pela venda de ativos considerados arriscados e pela busca por ativos de segurança, como o dólar americano e títulos do tesouro dos EUA. Quanto maior o risco percebido de um ativo, maior tende a ser sua penalização nesses momentos de estresse. O Brasil, por ser um mercado emergente, costuma ser mais impactado nessas ocasiões. Isso se reflete diretamente no câmbio: o real tende a se desvalorizar enquanto apetite global por risco diminui. 

O que a história nos conta


Crise financeira de 2008 (queda do Lehman Brothers)

A crise financeira global de 2007-2009, desencadeada pelo colapso do mercado subprime e simbolizada pela quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, consolidou o status dos treasuries como ativo de proteção por excelência. No período de pânico após Lehman, houve uma corrida maciça para os títulos do tesouro americano, provocando um salto nos preços e queda histórica nos seus yields​. Os dados são ilustrativos: antes da crise, em meados de 2007, o yield do Treasury de 10 anos rondava 4-5% ao ano; já em dezembro de 2008, após as ondas de flight-to-safety e ações agressivas do Fed, esse yield havia caído para a faixa de ~2%​.

Fonte. Factset: data da consulta 10/05/2025

Consequentemente, os preços dos treasuries de longo prazo dispararam nesse período. Investidores que mantinham esses títulos viram ganhos substanciais justamente quando mais precisaram: os mercados acionários perderam mais de 40% de seu valor em 2008. Esse comportamento foi de extrema importância para compensar a queda em outros ativos em portfólios diversificados.

Além da demanda privada, o Fed também entrou em cena: diante da crise, reduziu a taxa básica para quase zero e lançou o programa de quantitative easing.  Atuando diretamente, comprou Treasuries no mercado aberto, o que reforçou a queda dos yields de longo prazo e a alta nos preços​. Novamente, durante a crise de 2008 os treasuries provaram ser um hedge efetivo, entregando retornos positivos em meio à pior crise financeira em décadas.


Crise da dívida europeia (2010-2012)

A turbulência fiscal que atingiu a Europa no início da década de 2010 – com Grécia, Portugal, Irlanda e, posteriormente, Espanha e Itália enfrentando crises de dívida soberana – gerou impactos globais de aversão ao risco que novamente beneficiaram os títulos do Tesouro dos EUA. Na ocasião, os EUA foram vistos como porto seguro enquanto a estabilidade do euro era questionada.

Durante a crise europeia e o temor de recessão nos EUA em 2011, os treasuries reforçaram seu papel como porto seguro global, mesmo após o inédito rebaixamento do rating dos EUA pela S&P. Novamente, a aversão ao risco generalizada aumentou a demanda por esses títulos, que mantiveram yields historicamente baixos até 2012, refletindo o movimento global de busca por segurança (flight-to-safety).


Pandemia de Covid-19 (2020)

A crise provocada pela pandemia de Covid-19 em 2020 representou um choque simultâneo de oferta e demanda na economia global, levando a uma queda abrupta dos mercados acionários em fevereiro-março daquele ano. Novamente, os treasuries de longo prazo atuaram como ativos de segurança. Nos estágios iniciais do pânico (final de fevereiro de 2020), os investidores correram em massa aos títulos do Tesouro, impulsionando  seus preços: o yield do Treasury de 10 anos rompeu a barreira de 1% pela primeira vez na história. Este fato – yields de 10 anos abaixo de 1% – não havia ocorrido nem durante a Grande Recessão de 2008, ilustrando a gravidade crise e a demanda excepcional por ativos seguros.

Fonte. Factset: data da consulta 10/05/2025



Assim, os treasuries de longo prazo entregaram forte valorização, novamente atuando como hedge. Para se ter ideia, no primeiro trimestre de 2020, enquanto o S&P 500 caiu em torno de 20%, um índice de Treasuries de longa duração apresentou desempenho positivo de 15% .


Fonte. Factset: data da consulta 10/05/2025

Em resumo, no auge da crise de 2020 os investidores em treasuries obtiveram ganhos expressivos ao estarem posicionados em um momento em que os rendimentos dos títulos americanos atingiram seu menor nível da história. Mesmo diante de uma crise sem precedentes, que paralisou o sistema global de produção e comércio global, os treasuries reafirmaram seu papel como elemento de proteção de portfólio em cenários extremos.


Efeito cambial: valorização do dólar reforça a estratégia

Durante períodos de aversão ao risco global, é comum que o dólar americano se valorize frente às moedas de países emergentes, como o real. Esse movimento está diretamente relacionado ao comportamento de flight to safety explicado anteriormente. Esse deslocamento entre oferta e demanda afeta diretamente os mercados cambiais: quanto maior o risco percebido em um país, maior pressão vendedora será exercida em seus ativos e, consequentemente, sua moeda. No caso brasileiro, isso se traduz na venda de reais e compra de dólares, acentuando a desvalorização da moeda local justamente nos momentos em que os treasuries se valorizam.

Conclusão

Os títulos do Tesouro dos EUA consolidaram-se como ativos insubstituíveis para proteção em crises globais. Sua credibilidade, alta liquidez e sensibilidade à política monetária do Fed  tornaram essa classe de ativos  um componente de diversificação essencial em momentos de estresse.

Crises distintas — como a financeira de 2008, a fiscal europeia de 2011-2012 e a pandemia de 2020 — demonstraram de forma empírica sua eficácia como hedge: com valorização diante da queda de yields e da busca por segurança. A história das crises e dos mercados corroboram esse papel: correlações negativas com ações em períodos críticos, compressão de yields enquanto spreads de crédito se ampliam e retornos positivos em anos de crise aguda

Além disso, para investidores de países emergentes como o Brasil, esse efeito é ampliado pela valorização do dólar frente ao real, resultado do movimento de "flight to safety" que leva à venda de ativos locais (em reais) e à compra de Treasuries (dólares). Sendo assim, enquanto o dólar permanecer como principal moeda de reserva e o Fed preservar a confiança dos mercados, as Treasuries continuarão sendo um componente essencial de proteção nos portfólios globais.

Bruno Shahini

Com 9 anos de experiência no mercado financeiro, atuou na Votorantim Asset e no Banco Daycoval, é economista formado no Insper e possui as certificações CFP® (Certified Financial Planner) e CGA (Gestão de Carteiras ANBIMA)

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